sábado, 5 de agosto de 2017

Um Livro Que Me Deixou Zonzo - Árvores Abatidas


Sempre tive inveja de quem consegue ler em carro ou ônibus. Comigo isso é impossível. Se eu passar os olhos numa notinha de jornal, já basta pra ficar enjoado e me estragar o resto do dia. Quando não acontece coisa pior.

Demorei pra descobrir a causa. Tá certo que o SUS não ajudou. Nas vezes que estive no Pronto Socorro me deram um Plasil e tchau e benção. Só acharam o problema quando comecei a cair sozinho. Daí, um médico cravou: “Tu tem vertigem posicional crônica”.

E completou: “Tem remédio. Tem tratamento. É uma doencinha. Não te preocupa”.

O curioso é que ler no trem eu consigo. Nos oito anos que fiz a rota Porto Alegre/São Leopoldo, li muita coisa boa – também detonei um discman, mas isso é outra história. Retirava os exemplares da biblioteca da Unisinos. Nos quarenta minutos do itinerário, conheci Albert Camus (A Peste), Murilo Mendes (As metamorfoses), Katherine Mansfield (Felicidade), Campos de Carvalho (A lua vem da ásia), John Fante (A caminho de Los Angeles)... e Thomas Bernhard.

Não sei como esse autor foi parar na minha mão – desconfio que tava procurando Thomas Mann... Árvores Abatidas era o título. O enredo era simplório: um jantar. O narrador-personagem fica sentado numa cadeira, observando os preparativos para o evento e divagando. Passa a trama toda espinafrando a Áustria, Viena, os artistas, os intelectuais, os dogmas europeus, as ideologias políticas. Bernhard não poupa ninguém. Claro, nem ele próprio. A edição não tem capítulos. Texto corrido em apenas um parágrafo imenso. Um jorro só. Um queixume.

Explicando assim não parece, mas é um grande livro.

Talvez, tenha sido o ideal para um jovem indignado como eu era. Um jovem que pegava o trem das 22h20 e tinha que correr para alcançar o ônibus das 23h20 para chegar em casa antes da meia-noite.

Entretanto, a qualidade estética de Bernhard está acima de qualquer experiência de leitor. Problema é encontrá-lo em livrarias ou sebos. É raro achar exemplar desse livro à venda. Os que existem, usados, ultrapassam os R$ 200. Há outros títulos mais em conta.

Enfim, retomando o causo do início. Árvores Abatidas foi o livro que me deixou zonzo, me tirou o prumo. Escancarou uma possibilidade, uma realidade, que é a vida, que é a arte. Essa doencinha, que tem remédio, que tem tratamento. E nos preocupa tanto.

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Mais sobre o autor nesse artigo de Antônio Xerxenesky - 
http://blogdoims.com.br/thomas-bernhard-repeticao-e-aniquilacao-por-antonio-xerxenesky/  

A imagem com a citação é do livro O sobrinho de Wittgenstein.

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