Trecho do livro O Coração É Um Caçador Solitário, da escritora norte-americana Carson McCullers (1917-1967).
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Já era tarde quando ele deixou o terreno baldio. O céu duro e azul empalidecera e no leste via-se uma lua branca. O crepúsculo suavizava as silhuetas das casas ao longo da rua. Jake não voltou logo pela Weavers Lane, mas vagueou pelas vizinhanças próximas. Certos cheiros, certas vozes ouvidas à distância faziam-no parar de chofre de vez em quando à beira da rua poeirenta. Andava sem destino, mudando de direção sem qualquer sentido. Sentia a cabeça muito leve, como se fosse de vidro fino. Operava-se nele uma mudança química. As cervejas e uísques que armazenara tão continuadamente sem seu sistema provocavam uma reação. Era atingido de raspão pela embriaguez. As ruas, que haviam parecido tão mortas antes, fervilhavam de vida. Uma faixa de grama irregular bordejava a rua, e enquanto ele andava o chão parecia subir-lhe em direção ao rosto. Sentou-se na grama e encostou-se num poste telefônico. Ajeitou-se confortavelmente, cruzando as pernas à moda turca e alisando as pontas do bigode. As palavras ocorriam-lhe e ele dizia sonhadoramente em voz alta.
- O ressentimento é a flor mais preciosa da pobreza.
Era bom falar. O som de sua voz dava-lhe prazer. Os tons pareciam ecoar e pairar no ar, de modo que cada palavra soava duas vezes. Ele engoliu em seco e umedeceu a boca para tornar a falar. De repente, sentiu vontade de voltar ao silencioso quarto do mudo e falar-lhe dos pensamentos que lhe cruzavam a mente. Era uma coisa esquisita querer falar com um surdo-mudo. Mas sentia-se solitário.
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