quarta-feira, 25 de junho de 2014

Gimme Shelter e As Voltas que o Mundo Dá


Depois de um dia difícil, tocou Gimme Shelter. Não é uma música comovente. Mas de uma forma estranha, veio uma avalanche de recordações. Meu pai me levando de bicicleta para a escola. Minha mãe me ensinando o Pai Nosso. Minha vó segurando minha mão enquanto me equilibrava no muro do prédio que ela morava. Meus amigos do São Sebastião e meus sábados de futebol no Laranjal. As madrugas que esperei o Corujão na avenida Farrapos, depois de erguer todas as mesas do restaurante, também apareceram. Tinha os equipamentos e cabos que eu carregava nas externas da TV Unisinos. Vieram as noites escuras no metrô, voltando de São Leopolodo. Mais o ônibus Lindoia, deserto, às 23h40. Como eu consegui? Oito anos de faculdade. O que eu tinha na cabeça? Onde eu queria chegar, meu Deus? Acho que, no fundo, devia esse diploma para eles. Todos eles. Acho que eles nunca estiveram tão felizes. Eu dormia no metrô, no ônibus e nunca perdia o ponto. Como podia? Chegava meia-noite e sempre tinha um prato me esperando. Meus pais perguntavam se estava tudo bem. Sempre estava. Sempre estava. Num salto, eu já não estava mais com eles. Era eu e a Marília, um apartamento e uns gatos vira-latas para salvar o dia. E quando Gimme Shelter estava no fim apareceu, nesse curta-metragem, essa de conhecer a Europa.

Às vezes, você olha para trás e não acredita nas voltas que o mundo dá.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Documentário - Dossiê 50: Comício a Favor dos Náufragos

A Copa do Mundo de 50 já foi. O fantasma foi sepultado com cinco títulos mundiais pelos "escretes canarinhos". Mas por aqui, é diferente, não laureamos os vencedores, pois a felicidade soa pedante, como diz o poeta.

Então, vamos e retornamos sempre aos derrotados, aos fracassos, aos esquecidos...

Estes, sim, os heróis, personagens principais, nesse mundo repleto de Café Preto e Solidão. Por isso, em época de Copa do Mundo, sugiro um belo documentário sobre nossa dor maior.

Um salve ao jornalista Geneton Moraes Neto e sua equipe, que produziram e montaram essa grande história, narrada por Pereio e com participação de diversos grandes atores, como Chico Diaz e Milton Gonçalves.


segunda-feira, 23 de junho de 2014

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Consolação - Poema de O Ano dos Mortos

Consolação

Lucas Barroso

As lágrimas não formam poças nas calçadas
São os cuspes
As babas cansadas que acumulam e dão cheiro
A essa cidade invadida
E povoada por todos os lados
O reboco dos apartamentos JK
Cobre e dá textura ao retrato
Que ninguém pinta
Os velhos dizem que tudo foi nobre
Lá atrás
Os novos e viciados
Se deitam na pele cinza da praia que não existe
Mijam nos tijolos à vista
Abraçam as alças de acesso
Olham os carros parar
E não dão a mínima
A tristeza já não comove mais
Ela faz parte dos dias
E quando não fez?
Todos, incrivelmente lúcidos, sabem de sua existência
Sentem seu vazio
Preencher seus peitos inflamados por um grito que ecoa
Em alguma viela deserta
Muitos deixam de caminhar
Para admirar seus muros
Seus traços escuros
Suas veias coloridas rubricadas por Deus
As mãos dadas
Ou unidas
Dão dó
São motivo de esmola nos sinais
E no fim das contas rendem um pão com banha
 “Estamos todos sãos e salvos”
É o que dizem aqueles que brindam
Antes de tentar a sorte
Antes de se esquecer que se está sóbrio
E que tudo vai terminar no ponto final
A palavra felicidade soa pedante
Não serve de autoajuda nem para quem a cunhou
Não vale um sorriso
Um lapso muscular facial
Uma desistência...
Se todos se calassem
Poderia se ouvir
Cada saudação
Cada assombro de uma gaita de boca
De uma corda de guitarra
Deslizada com um vidro de antidepressivo no anular
Pode-se ouvir
No canto da mesa do bar
Cada dose de lágrimas
Sendo derramada para dentro
Em um gole só
Pode-se sentir
Nada para o santo
Nada
O cigarro se apaga
As brasas e as cinzas
Fazem cama para a canção
Que é de toda essa gente
Viva entre a fumaça
Que, por pouco, muito pouco
Não deu certo

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Foto: Coletivo Iscagram

O poema fará parte do meu segundo livro, O Ano dos Mortos, editora Bartlebee Livros. O lançamento deverá acontecer até a metade desse ano.

Minha estreia, acesse aqui.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Rascunho para um Conto

(...)

Desfazia as pelotas de arroz, ainda gelado, na panela. Requentava os restos do dia anterior e esperava. “E se ela não voltar?”. Não queria, mas volta e meia tinha esse pensamento. Não sabia cozinhar. Seria uma barra viver sem ela por perto.

Riu da sua bobagem machista que, no fundo, deveria ter um pouco de sentido. Não acreditava no machismo. Lavava louça e contribuía com tudo. Não só com dinheiro, mas com a força, com a instalação do chuveiro, conserto das portas, ajustes e pequenas reformas estruturais. Então, ela também devia ter esse tipo de pensamento, não? Riu pela segunda vez.

A louça já estava limpa e tudo parecia em ordem. Mas... "E se ela não voltar?". Por falta de ocupação, ficava remoendo aquilo. Abriu uma cerveja e ligou a tv. Encontrou a reprise de uma partida de futebol. Se o jogo não desse um jeito de tirar aquela maldita dúvida, só restaria a pornografia.

(...)