quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Quando Eu Me Chamar Saudade*


Vivemos uma época de intensa busca e interesse pelo novo. Novas ferramentas, novas idéias, novos ideais... O velho já não nos diz muito. O velho não nos diz quase nada. Não temos tempo para olhar para trás. Temos de ser ágeis – afinal, não podemos perder tempo. Temos que olhar para frente. O que ficou para trás, ficou para trás.

Com as coisas ao nosso redor funciona assim. E com os homens, não agimos diferente. Temos essa mesma visão – muitas vezes, sem nos dar conta. Os velhos estão ultrapassados e não se adaptaram a nós – quando, na verdade, deveria ser exatamente o inverso. Deixamos para eles nosso pesar, nossa pena. Eles são os retardatários em nossa corrida diária. São obstáculos, estorvos e incômodos que nos atrasam. 

Inconscientemente – ou não, em alguns casos – contamos os dias para o fim deles, que será inevitável. E, depois, ficamos com aquela falta. Comovidos como o diabo. Aquelas perguntas não respondidas, ecoando, ecoando. Comigo, foi assim. Minha vó se foi há algum tempo. E, dia desses, estava perguntando que mulher foi aquela. E não sabia responder. Da onde veio? Quem foram seus amores, desamores? O que ela teria sentido ao ter tirado carteira de motorista na década de 60? E, nas vezes, que ficou doente, porque insistiu tanto para viver? O quê ou quem a manteve de pé? Teria medo da morte? Tantas, tantas perguntas sem respostas...

Ela se foi. Ensinou-me muito, decerto. Mas quanto mais poderia ter me ensinado se, realmente, eu tivesse tempo para ela? Agora, é tarde. E quando fico só, em silêncio, possou ouvir o corvo repetir sua ladainha: “nunca mais, nunca mais”. 

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Foto: Lucas Barroso
Mas, deixando a tristeza de lado, sempre há algo a aprender com já percorreu essa estrada. Recentemente, recebi a presença do Ademar Sílvio (74 anos, no centro da foto), um boêmio histórico portoalegrense, em meu trabalho. Fiquei só ouvindo o bate-papo dele com o mestre Cláudio Furtado – jornalista experiente e também um grande contador de histórias. E, durante a visita, outros vinham chegando e a prosa ia correndo solta. Teve causos da liga da canela-preta; Lupicínio Rodrigues; Botafogo; cabarés; mulheres; música; Literatura; Jornalismo... Porto Alegre e o Brasil passaram num filme. Belo filme!

Ademar esteve muito mal, internado. Problemas de fígado. Durante a conversa, não se queixou de nada. Não sentiu dor. Foi muito bonito. Então, pesquei algumas pérolas do Ademar:

“Na minha época cantor tinha que cantar. Não tinha essa de roupa, dança, luz”

“Depois que os compositores começaram a cantar... Daí, virou isso aí que vocês estão vendo”

“Não entendo como Lupicínio virou gremista. E fez até hino! Ele ia na liga da canela-preta (campeonato só de negros), e muitos ali foram rejeitados do Grêmio” 

“Lupicínio não cantava nada. Mas sabia disso e volta e meia dizia: Vem cá, meu camaradinha, mas o Martinho canta?”

“Paulo Coelho é o maior mentiroso que tem por aí... Quem já leu Machado, Barreto e até o Suassuna que tá vivo, por favor... Não tem comparação”

“Antigamente, as pessoas liam mais. Não era isso de passar o olho aqui e ali. Elas liam mesmo”

“A noite de Porto Alegre não tá boa. E pra velho de cabeça branca, então... Não tá mole”

“Antes o jornalista ia atrás. Agora, a notícia tem que ir atrás dele... E na redação”

“Com essa coisa de computador, o jornal sempre é de ontem”

“Hoje em dia, as pessoas acham que pensar dói”

“As pessoas leem um livro de receita ou O Pequeno Príncipe e já acham que são intelectuais... Mas eu, que sou velho, fico só olhando”.

“Via até treino do Garrincha, na época que morei no Rio. Não teve nada igual”

“Eu tava nos 200 mil do Maracanã, na final da Copa. Todo mundo chorou, não tinha ninguém que não chorava”

Tu é botafoguense? “Sou e suicida...”

“Na minha vida, eu tive três casamentos e dezesseis vivências”

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* título em alusão a música de Nelson Cavaquinho e do poeta Guilherme de Brito, dos versos “Mas depois que o tempo passar/ Sei que ninguém vai se lembrar/ Que eu fui embora/ Por isso é que eu penso assim/ Se alguém quiser fazer por mim/ Que faça agora”. 

Para quem nunca a ouviu, tá aqui o link: http://www.youtube.com/watch?v=jNNZUFH8R3s

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um Método de Castração Eficiente

O tempo me domesticou
É o maior adestrador
De bestas
Que eu conheço



Poema inédito que, provavelmente, será incluído em meu segundo livro, O Ano dos Mortos. A ser publicado no início de 2014.

sábado, 9 de novembro de 2013

Entrevista com Clarice

Clarice Lispector foi uma das escritoras que me formaram como leitor e, inevitavelmente, me inspiram. A densidade e a perplexidade diante das coisas mundanas, um olhar sempre novo e crítico, são as marcas que tenho dela em mim.

Fico sempre chateado com a banalização que existe atualmente em relação a sua obra. Clarice acabou se tornando uma espécie de frasista nas mídias sociais. Alguém que dá conselhos. Seus versos, em sua maioria, são tirados de um contexto e jogados como ensinamentos. E não era isso...

Quem a leu, de verdade, sabe que não era isso. Nunca foi. Mas as palavras tomam a liberdade, ganham o mundo e, simplesmente, assumem vida própria. E o autor acaba não sendo mais dono de nada que escreveu. Talvez seja uma explicação para esse fenômeno popular que a Clarice se tornou. Talvez...

Também é importante ressaltar que ela teve, sim, uma fase consultora sentimental, onde realmente fazia esse trabalho sujo. Clarice usava um pseudônimo, Helen Palmer, para assinar o Correio Feminino, em jornais como o Correio da Manhã, nas décadas de 50 e 60, com dicas para as mulheres.

Mas sua obra é bem maior que isso. E essa entrevista para o programa Panorama, da TV Cultura, a única para televisão, evidencia muita coisa. Em certa altura, ela resume, o que também acredito ser, a essência de quem escreve. “Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando eu quero. Eu sou uma amadora e faço questão de continuar sendo amadora”. Imperdível!



sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Adiando o Esquecimento

Dando uma folheada em meu caderno de rascunhos, consigo ver nitidamente quanto tempo eu perco tentando adiar, inevitavelmente, o esquecimento. Que utopia! Que bobagem essa que me leva a escrever, mesmo doente, mesmo cansado, mesmo desiludido. 

Não adianta abrir o peito, puxar as tripas e despejar tudo. Há um limite que não se mostra de cara, que não se faz sentir. Eu tenho ciência disso e, mesmo assim, insisto. Chegará a hora que o papel não aceitará tudo. 

O tempo, simplesmente, vai soterrar a memória.