sexta-feira, 25 de julho de 2025

Quando a menina dorme



Mostro para minha filha a Lua desperta

Balbucio uma canção de ninar

Construo cada versinho

Como quem ergue um prédio alto

Para protegê-la da próxima inundação

Ela não dorme

Ela sorri e me mira os olhos

Que são seus

Aos poucos, ela desiste

E a Lua vai embora

Mas ainda está lá

Como uma música que foi feita para durar

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Extinção


Antes de existir algo

Existia a Natureza

Que assistiu aos dinossauros

E sua derrocada

A Natureza viu o primeiro homem

Presenciou suas descobertas

E todas as guerras que ele criou

Os meninos orfãos

Que caminharam por Sua terra arrasada

Hoje estão reunidos

Para construir muralhas

E sistemas de proteção

____Contra as águas

____Contra o Sol

____Contra o vento

____Contra o fogo

Eles não sabem

Mas também estão sendo observados pela Natureza

Com indiferença


quinta-feira, 10 de julho de 2025

A morte em proparoxítonas - Ruy Castro

"Ouve meu cântico, quase sem ritmo/ Que a voz de um tísico, magro, esquelético/ Poesia ética em forma esdrúxula/ Feita sem métrica com rima rápida.// Amei Angélica, mulher anêmica/ De cores pálidas e gestos tímidos/ Era maligna e tinha ímpetos/ De fazer cócegas no meu esôfago.// Em noite frigida, fomos ao Lírico/ Ouvir o músico, pianista célebre/ Soprava o zéfiro, ventinho úmido/ Então Angélica ficou asmática.// Fomos ao médico de muita clínica/ Com muita prática e preço módico/ Depois do inquérito descobre o clínico/ O mal atávico, mal sifilítico.

"Mandou-me célere comprar noz vômica/ E ácido cítrico para o seu fígado/ O farmacêutico, mocinho estúpido/ Errou na fórmula, fez despropósito.// Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo/ Ácido fênico e ácido prússico./ Corri mui lépido mais de um quilômetro/ Num bonde elétrico de força múltipla.// O dia cálido deixou-me tépido/ Achei Angélica já toda trêmula/ A terapêutica dose alopática/ Lhe dei em xícara de ferro ágate.// Tomou num fôlego, triste e bucólica/ Essa estrambótica droga fatídica/ Caiu no esôfago, deixou-a lívida/ Dando-lhe cólica e morte trágica.

"O pai de Angélica, chefe do tráfego/ Homem carnívoro, ficou perplexo./ Por ser estrábico, usava óculos/ Um vidro côncavo, e o outro convexo.// Morreu Angélica, de um modo lúgubre/ Moléstia crônica levou-a ao túmulo/ Foi feita a autópsia, todos os médicos/ Foram unânimes no diagnóstico.// Fiz-lhe um sarcófago assaz artístico/ Todo de mármore da cor do ébano/ E sobre o túmulo uma estatística/ Coisa metódica como "Os Lusíadas".// E, numa lápide paralelepípedo/ Pus esse dístico, terno e simbólico:/ ‘Cá jaz Angélica, moça hiperbólica/ Beleza helênica, morreu de cólica.’"

O que é isso? Uma modinha, "O drama da Angélica", de certos Barreto e Lubiti, gravada em 1942 pela famosa dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho. A letra, toda em proparoxítonas, é uma obra-prima. O vídeo está no YouTube —não perca.

Sim, a sofrência das duplas sertanejas brasileiras já foi assim.

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Crônica de Ruy Castro, publicada na Folha de São Paulo, em 5/5/2025

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Drama de Angélica (Alvarenga/M.G.Barreto)


terça-feira, 1 de julho de 2025

Anti ajuda

Não acredite em você

Não curta a vida

Porque a vida não é curta

Tudo é por acaso

E o Sol não brilha para todos


Você não é mais forte 

Do que imagina

Nenhum lugar-comum

Te ensina


Se você pode sonhar

Não pode realizar

Não seja feliz

Nem seja foda


Saia da frente

Não dê o primeiro passo

Tudo pode te deter

E o sucesso não quer te reconhecer


Sempre é tarde

Sempre é tarde

Sempre é tarde


quarta-feira, 25 de junho de 2025

O feitiço que desgraçou Julio Reny


 "Eu sou um pobre diabo e um pobre desgraçado. Perdi a chance da minha vida. Eu não quero mais falar desse maldito show e dessa maldita noite, que eu vou levar pro túmulo. Como dor no coração. E espero que a vida eterna me cure dessa dor e desse meu fracasso nacionalmente. Por causa dessa maldita noite, do show do Unificado, no Gigantinho. O cara que fez o feitiço morreu já. E Deus que me perdoe, desse eu não tenho piedade: que arda no fogo do inferno! O cara quis me matar por uma coisa que eu não fiz contra ele. Desgraçou a minha vida e minha carreira. Tanto que eu sou um maldito até hoje. Às vezes, levo meia dúzia só em um bar. E toco por cem reais, sabe? Ou menos até, quando estou desesperado. Eu sou um pobre diabo e um desgraçado por causa daquela noite no Unificado. Daquele maldito que desgraçou minha existência e minha carreira. É isso. E ponto final".

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Trecho extraído do documentário Amor e Morte em Julio Reny (2025), com direção de Fabrício Cantanhede.

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A referência é ao show Rock Unificado, que foi o motivador da coletânea Rock Grande do Sul (1985, gravadora BMG). O disco revelou ao resto do país bandas como Engenheiros do Hawaii, TNT, Replicantes, Garotos da Rua e De Falla. Julio Reny ficou fora do álbum.  

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Tragédia humana

Desde que o mundo é mundo, o ser humano tem a pretensão de domar a Natureza. Veja o trágico caso do Rio Grande do Sul. Uma enchente histórica destruiu uma boa parte do seu território, em maio de 2024, ocasionando dezenas de mortes e desaparecimentos. Empreendimentos, moradias e sonhos destruídos. Mais de 470 municípios afetados direta ou indiretamente pela força das águas. Não há consolo possível para a população.  

Conforme o estudo "As enchentes no Rio Grande do Sul: lições, desafios e caminhos para um futuro resiliente", publicado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o desastre foi causado pela maior chuva já observada no país.   

O recado da Natureza não pode ter sido mais claro. Aquele espaço é seu, das suas águas. Pouco importa o debate dos pequenos homens, que buscam culpados pela catástrofe. A Natureza segue seu fluxo.  

A enchente escancarou essa tragédia humana, que é em tentar domesticar o que não pode ser domesticado. Como o caso da ponte que foi levada pela correnteza no limite das cidades de Marques de Souza e Travesseiro, em 2024. Bastou um breve período de calmaria e os homens foram lá e ergueram uma nova, no mesmo lugar. Por necessidade e até de forma instintiva. O que fez a Natureza? Voltou a derrubá-la no ano seguinte.  

No RS, governantes e sociedade civil lutam para ludibriar a Natureza, reconstruindo infraestruturas mais resilientes, projetando sistemas para conter quem de fato é a dona das terras gaúchas. Desenham grandes obras de engenharia: muralhas, diques, casas de bombas. Planejam uma revolução. Essa cruzada tem só um objetivo: não ceder ou se dobrar aos caprichos da Natureza.  

A fé dos homens é comovente. Porém, é digna de um Sísifo, que na mitologia grega foi condenado pelos deuses a empurrar eternamente uma pedra até o topo de uma colina, apenas para vê-la rolar de volta. Falando em devoção. Um padre de Porto Alegre – que deveria ser um homem dedicado à Natureza – afirmou, em entrevista a uma rádio, que jamais sairá da Ilha da Pintada, bairro aguadiço de Porto Alegre. Para ele é indiferente o número de alagamentos ou desastres que aconteceram – como a enchente de 1941 – e ainda possam vir a ocorrer. No microfone da imprensa, o pároco não clamou aos céus por um milagre e, sim, bradou e rogou por uma solução terrena, sendo que ela está já posta.  

Respeitar a Natureza, simplesmente.

terça-feira, 27 de maio de 2025

E dale pós-punk em meu coração

 


Transmission - Joy Division

Winning - The Sound

Eighties - Killing Joke

Swamp Thing - The Chameleons

Natural's Not in It - Gang of Four

Rise - PIL

Mannequin - Wire

Totally Wire - The Fall

Ghost Rider - Suicide

Carry Home - The Gun Club

Smither-Jones - The Jam

Mr. Alphabet Says - The Glove 

Bring on the Dancing Horses - Echo and the Bunnymen

Lights Go Out - New Model Army

Trophy - Siouxsie and the Banshees

I'm in Love With a German Film Star - The Passions

Dark Entries - Bauhaus

That's When I Rech for my Revolver - Mission of Burma

Nightshift - The Names

Shot By Both Sides - Magazine

Promise - Violent Femmes

Talk About The Passion - REM

Well I Wonder - The Smiths

Things We Never Did - Sad Lovers and Giants

Sister Europe - The Psychedelic Furs