quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Tom Waits

Às vezes, um poema contém palavras que caíram da página, assim como pessoas que caíram na calçada.



sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Carlos Cachaça, pelas lentes de Rui Mendes

 

Foto: Rui Mendes

Carlos Cachaça, 1995.

Morador do morro desde os oito anos de idade, Carlos Cachaça cresceu participando de blocos e cordões, acompanhando o surgimento das Escolas de Samba. Sua obra musical traduz o seu tempo, uma narrativa poética do que viveu. Sem fantasias, seus versos e melodias contam um pouco do que viu e sentiu.

Este mangueirense, apaixonado por Carnaval reuniu várias virtudes. Ao contrário do que seu apelido sugere, Carlos zelava pela diversão e pelo trabalho. Quando jovem bebia, mas não sofria alteração, o que lhe permitia uma total disciplina. Trabalhou na Rede Ferroviária Federal, até se aposentar. Foram quarenta anos, (de 1925 a 1965), trabalhando diariamente sem faltar um dia.

Ao lado do grande Cartola, seu parceiro mais constante, e Saturnino Gonçalves; pai da D. Neuma, entre outros, fundou, em 1925, o Bloco dos Arengueiros, que mais tarde deu origem a Estação Primeira de Mangueira.

Carlos Cachaça, esteve em atividades até a morte, aos 97 anos. Foi o primeiro compositor a inserir elementos históricos nos sambas de enredo, o que é uma norma até hoje. Em 1923 compôs seu primeiro samba “Ingratidão” e em 1932 compõe a primeira parceria com Cartola.

Ganhou o apelido de Cachaça para diferenciar de outros "Carlos" da turma e por causa de sua bebida preferida. Sua última participação ativa na Mangueira foi em 1948, quando a escola foi a 1ª a colocar som no desfile, para o samba-enredo ”Vale de São Francisco”.

Em dezembro de 1980 lançou pela Ed. José Olympio, em co-autoria com Marília T. Barbosa da Silva e Arthur L. Oliveira Filho, o livro “Fala Mangueira”. Em 1997, ao completar 95 anos, foi homenageado, na quadra Mangueira por ser o único fundador vivo da Agremiação.

O único disco solo de Cachaça é de 1976 e inclui pérolas como "Quem Me Vê Sorrindo" (com Cartola) e "Juramento Falso".

Carlos Cachaça foi pouco interpretado pelos cantores da era do rádio. "Não Quero Mais Amar a Ninguém" (com Cartola e Zé da Zilda) é uma exceção. Foi gravado por Aracy de Almeida em 1937 e regravado por Paulinho da Viola em 1973, no LP “Nervos de Aço” (Odeon). Época em que vários dos seus sambas passam a ser "redescobertos"

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Outras fotos de Rui Mendes - aqui

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Sergio Faraco: vida x escrita

 "Sou autor de obras de ficção. Tudo o que um ficcionista vive ou vivem pessoas que ele conhece ou aquilo que ele testemunha, ou escuta, ou lê, acabam fazendo parte de sua ficção. Seu tabuleiro é um crisol de experiências plurais".


Sergio Faraco em entrevista a Daniel Scandolara, publicada na revista Parentese, em outubro de 2025.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Gay Talese e a arte de tornar incomum a vida de pessoas comuns

Contracapa do livro A Mulher do Próximo (editora Record, 1980)

Gratificação egoica, exibicionismo, vaidade. Há motivos menos cabotinos para levar palavras ao papel, mas a possibilidade de impressionar as pessoas está no topo da escala de gatilhos que motivam autores a contarem boas histórias ou darem gritos de alerta ao mundo.

Na balança de Gay Talese, os três citados na abertura podem até pesar mais que outros, mas nunca vêm sozinhos. Talese entrega o pacote completo. Ou seja, além de estupidamente bem escritos, seus textos são assentados em pilares inegociáveis do bom jornalismo. Concisão, clareza, tom coloquial e um conjunto de informações novas e precisas distribuídas num ritmo que mantenha o leitor vidrado. Tudo isso a bom preço e fruto de trabalho investigativo que distingue as grandes reportagens de relatórios burocráticos e mal-escritos. A cereja desse bolo, claro, é a criatividade.

Com essas valências, visíveis como insígnias na lapela, em Fama & Anonimato, Honra teu pai, Vida de escritor e outros, seria mesmo impossível imaginar esse velhinho de 93 anos passando despercebido por aí, escondido dentro de ternos de três peças, chapéu Fedora e sapatos Oxford, que ele têm sujado desde a década de 1950, quando decidiu ir às ruas para tornar incomum a vida de pessoas comuns e invisíveis aos olhos da multidão. 

Nota à margem

Embora mantenha discrição e humildade de um bedel na profissão, sozinho em seu escritório, no silêncio do seu laboratório de criação,  Talese parece ser daqueles que sempre esperaram aplausos da máquina de escrever ao final de cada capítulo. 

E tem livro novo do veio na praça. Bartleby e eu.

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Texto do jornalista Eduardo Rodrigues (publicado originalmente em seu perfil do Facebook, 10 de outubro de 2025)

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Daqui eu não preciso nada

 


Eu deixaria aqui tudo, os vales, as colinas, as trilhas e as pegas do jardim, eu aqui deixaria o vinho e a fé, o céu e a terra, a primavera e o outono, aqui deixaria os caminhos que partem, as noites na cozinha, o derradeiro olhar de amor e todos os imperativos terríveis que conduzem às cidades, aqui deixaria o crepúsculo denso que se assenta sobre a paisagem, o peso, a esperança, o encantamento e a serenidade, aqui deixaria o que é amado e o que é próximo, tudo que me emocionou, tudo que me abalou, que me fascinou e me ergueu, aqui deixaria o nobre, o bem-intencionado, o agradável, o diabolicamente belo, aqui deixaria os brotos fenecentes, todo nascimento e existência, aqui deixaria a magia, o mistério, a distância, o inextinguível e a narcose das verdades eternas: porque aqui deixaria essa Terra e essas estrelas, porque não levaria nada daqui comigo, porque espreitei o que virá, e daqui não preciso de nada.

László Krasznahorkai, “Daqui, eu não preciso de nada”,  Anuário Todavia 2018/2019. Tradução de Paulo Schiller

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Taline e Flávio (conto)


- Lucas, a Aline veio falar comigo. Disse que teve gente que veio questionar ela sobre o conto que tu publicou recentemente. Comentou que circulou na empresa... É foda... Ela disse que seria melhor tu tirar das redes sociais. 

- É sério? 

- Sim. 

- Vou deletar por qual razão? Se trata de um conto.  

- É que os nomes são os mesmos e a minha situação é muito detalhada, todos sabem que sou eu. E ela disse que o pessoal tá insinuando que tivemos um caso. Ela achou o conto muito bonito, ficou lisonjeada... Ela pediu de boa. Não exigiu. 

- Que decepção com vocês! Vocês são meus amigos... 

- Eu não te pedi para tirar. Pedi porque ela me pediu e porque somos amigos. Te dei as razões dela. Por mim, estou cagando... Não me importo mais que me julguem por isso. Estou no ostracismo. Longe daí. E ninguém me confrontou. Não confunde as coisas. Foi ela que pediu. 

Lucas não tinha argumento para contrapor, nem queria mais qualquer tipo de conversa sobre. Ter que explicar sua obra de ficção, que era insignificante, não faria o menor sentido sob nenhum aspecto. Limitou-se a excluir o texto e deixar os dois pra lá. 

Contudo, Lucas não tinha amarras – assim como a Literatura, assim como alguém que escreve sem ter leitores à espera. Lucas tinha um compromisso intransigente e patético com a Arte. Era seu único compromisso – pois não lhe era imposto. Lucas não tinha uma carteira assinada com a Literatura. Por essa razão, se via no direito de não fraquejar, não ceder a caprichos.  

A figura era a seguinte. A Literatura era um mendigo e Lucas era seu cão sarnento. Um animal tonto que persegue um homem decrépito sem perceber que não há perspectiva alguma, além de receber pouca comida e uma promessa convincente de liberdade.  

Esse – que fique bem claro – é o modo como Lucas vê as coisas. As outras pessoas que estão próximas a ele – não os leitores em geral, porque ele não tem leitores – veem tudo isso como uma infantilidade. Uma tremenda bobagem. Os mais benevolentes acreditam ser apenas um hobby. "Ele escreve nas horas vagas", dizem.  

Então, Lucas seguiu a Literatura mais uma vez. Sua nova escrita, após ter deletado o conto Aline e Fábio, descreverá uma mulher de quarenta e poucos anos, que se julga progressista – um termo da moda para quem se afirma de esquerda ideologicamente –, confusa diante da repercussão da narrativa breve que leva seu nome e desenha uma personagem que poderia muito bem ser ela. Essa mulher entende que se trata de ficção. Tem educação e cultura suficiente para isso. Porém, sabe, talvez pela idade, que é necessário zelar por sua imagem. Esse traquejo, esse pragmatismo social – que ela achava não ter ou via como irrelevante – vão fazê-la questionar a necessidade do texto ser publicado e levar seu nome no título.  

Entretanto, a vergonha de alguém que se julga progressista sugerir o cancelamento da publicação mexe com ela. Afinal, o falso moralismo é uma afronta e uma das tantas chagas do mundo moderno. Titubeia. Mas solicitará o sumiço da tal prosa. Alcançará seu objetivo e, no fundo, ficará satisfeita que o autor acatará seu pedido. A essa mulher, Lucas dará o nome de Taline. 

Já o personagem masculino será retratado como alguém que é quase um ermitão. Um homem niilista, que tem como meta construir um casebre na montanha. Adepto do seus livros, seus discos e nada mais. Seu ponto de contradição será a preocupação com a própria reputação. Algo nonsense que trará um certo traço de humor a peça literária. O ápice será o momento que ele pede – a mando de Taline – o apagamento da história, onde pretensamente é também um dos personagens. Lucas transcreverá essa solicitação ipsis litteris para dar um toque realista. 

Ficará claro que, mesmo sendo um amante das artes, mesmo sendo um bom leitor e mesmo sendo amigo do autor, ele não encontrará outra maneira. Desejará que o conto seja deletado. O nome desse personagem será Flávio.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Francisco Bosco disse

 

"O campo progressista está com um problema sério com a demagogia. Tem muito intelectual que está viciado em identificar o que o campo deseja ouvir. E falar apenas o que o campo deseja ouvir. Há muito intelectual progressista que pensa uma coisa no privado e outra publicamente, porque tem medo de apanhar. E isso tem sido um comportamento geral".

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A fala foi extraída desse vídeo - link