domingo, 21 de novembro de 2021

Trilogia Suja de Havana - Salve-se Quem Puder

Malecón, em Havana

De novo o silêncio. Eu me concentrei no rum e na lagosta fervendo. Mas logo em seguida escutei a vizinha ao lado sapateando. Uma mulatinha linda, de uns vinte anos. Tem estilo. É puta, mas poderia ser modelo. É uma beleza. Ainda mora numa toca miserável que nem eu, mas é implacável: sem dinheiro nem olha pra gente. Às vezes, me cumprimenta, mas sem muita intimidade.

 – Bom dia, vizinho.

 – Bom dia, vizinha. Ficou até tarde na batalha, já é quase meio-dia.

 – E quem lhe disse que eu só trabalho de noite? Você é um pouquinho intrometido.

 – Olha, este seu perfume chega até aqui.

 – Bom, pode sofrer. Continua sofrendo, papito.

 – Abusada.

 – Isso é uma canção. Até mais tarde, vou dormir um pouco.

– Quando vou poder chegar mais pertinho de você, mamita? Já estou até de miolo mole.

– Quando você for um papirriqui com graniquiqui. Mas enquanto estiver na pior, nem chegue perto. Sai pra lá, sai pra lá, que esse mal pega!

– Bom, titi, pode continuar me maltratando. Durma bem.

– Tchau, papito.

– Tchau, mamita.

Entrou, fechou a porta e eu voltei para o meu fogareiro. É assim. Se você tiver dinheiro, pode, se não, foda-se. É como nos naufrágios: salve-se quem puder.

Gosto dessa mulher. Ela chegou do campo há um ano, com as mãos calosas e as unhas dos pés manchadas de terra vermelha. Diz que veio de Palma Clara. Sabe-sa lá onde diabos fica isso!

É muito desconfiada. Acha que todos vão lhe fazer mal, mas uma vez me contou uma coisa: aos doze anos largou a escola na quinta série e foi colher café para ter seu próprio dinheiro porque o pai bebia e fumava tudo o que ganhava “e em casa éramos sete irmãos comendo farinha de milho e inhame. Não sei como saímos fortes e saudáveis”, disse. Aos dezesseis viu que o café é trabalho para gente grossa e morta de fome. Uma tarde tomou seu banho, vestiu uma roupa limpa e sem se despedir de ninguém foi para a estrada e chegou a Havana. Assim, sem ter a menor ideia do que poderia ser Havana. Ouvia dizer que em Havana, sim, era possível viver bem porque havia mais dinheiro, e lá se foi. Quando me contava tudo isso, via-se força em seus olhos: “Eu sou muito bonita, papito, acha que não sei? Podem enfiar o café e a fome no rabo! Chega. Não volto para Palma Clara nunca mais na vida… Deus que me perdoe… quando minha mãe morrer vou ter que voltar porque ela é uma santa”.

Chegou assim, com uma mão na frente e outra atrás. Nos primeiros dias morou com um caminhoneiro que a trouxe de carona. Mas o largou na semana seguinte: o cara queria uma escravinha para trepar quando bem entendesse e mantê-la trancada em casa trabalhando e sempre entendiada. Mandou o sujeito à merda. Foi morar com uma vizinha. Começou a fazer programas no Malecón e em menos de um ano a roceirinha é outra pessoa. Já até fala diferente e caminha com estilo. Qualquer hora dessas ela se muda para um apartamento decente e deixa este terraço de merda. Eu gosto de gente assim. Forte. Os frouxos sempre se lamentam e choram. Os fracos acham que tudo termina hoje.

Na verdade é justamente o contrário: é hoje que tudo começa. 

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Trecho de Trilogia Suja de Havana, de Pedro Juan Gutierrez.