sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Todo Aquele Jazz: Ben Webster


Ele carregava sua solidão consigo como se fosse o estojo do instrumento. Ela nunca o abandonava. Após apresentações, depois de conversar com fãs e, às vezes, com alguns amigos de passagem pelo lugar, depois de se refugiar num bar e ali se deixar ficar até não haver ninguém para ir embora, depois de se arrastar de volta a seu quarto, depois de tatear em busca das chaves e ouvi-las arranhar ao girar o interior da fechadura silenciosa, depois de abrir a porta e entrar no apartamento, sempre exatamente como o deixara, depois de jogar o estojo do sax no sofá  depois de tudo isso, por tardíssimo que fosse, sempre chegava o momento em que ele queria continuar a conversar, ouvir o tinido e as borbulhas de alguém passando um café ou preparando uma bebida. Voltando para o apartamento assim, ele destapava uma garrafa, tomava uns tragos e ficava de cueca e camiseta, tocando o saxofone o mais baixo que podia. Quando morava em Amsterdam, telefonava para os amigos nos Estados Unidos a qualquer hora da noite, mas agora só havia o sax, e ele o usava para tentar falar com Duke, com Bean ou outra pessoa, revezando durante uma hora ou mais entre a garrafa e o instrumento.  

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Trecho do livro Todo Aquele Jazz, de Geoff Dyer.

domingo, 25 de agosto de 2024

Eu só sei que a saudade ainda me queima o coração

Era início de namoro. Uma das primeiras vezes que visitava a casa dela e de sua mãe. Então, prontamente me ofereci para lavar a louça.  Enquanto tirava o sabão de uma caçarola, cantarolei um trecho de "Ainda queima a esperança". Uma canção lindamente brega.

Cantei porque estava feliz. Cantei porque de fato amava. E quem ama de verdade, não tem amarra alguma. Faz dessas sem pensar nas consequências. Minha namorada chegou na cozinha e disse assim. 

- Meu Deus, que coisa brega! Da onde tu tirou isso?!

- Diana. Conhece?

- Claro que não! 

Aí, a mãe dela entrou em cena. E seguiu da onde eu havia parado de cantar. Rimos um bocado. Cantamos juntos os versos que restavam. E depois emendamos outras tantas camções consideradas bregas. Cada um escolhia a sua. E assim o dia foi transcorrendo. Com três pessoas felizes, cantando.

Lembrei disso, porque Diana morreu. E é bem provável que não tenha tido reconhecimento, sucesso ou outras conquistas que os artistas, às vezes, buscam. 

Contudo, isso é uma bobagem. Não existe missão para um artista. Mas, se por acaso existisse, Diana certamente cumpriu a sua naquele dia que já não volta mais.