terça-feira, 11 de junho de 2024

Balsâmico



No restaurante que trabalhava como garçom, os funcionários não comiam a mesma comida dos clientes. Era assim. A cozinheira, que também era faxineira, fazia a comida só pra nós. Só que ela preparava esse rango de dia. E eu trabalhava no turno da noite. Comia o que sobrava dos colegas diurnos. No intervalo, subia até um mezanino e pegava a forma com carne assada, com aquela camada fria, espessa e esbranquecida de gordura. Colocava num prato. Requentava. E pronto. Sentava em qualquer cantinho e comia. Não me recordo o que pensava, com o que sonhava ou o que pretendia da vida naquele tempo. "Se tu te puxar, Pedro, logo tu vem pra chapa". Falou o chapista para o colega da louça e limpeza em geral. Foi o que ouvi, enquanto jantava. Mesmo sendo garçom, não era o que queria. Contudo, precisava do dinheiro. E outra. Não aguentava mais meus velhos. Quando se tem quase vinte, e se mora num lugar apertado, é quase impossível tolerar os pais. Sujeitos ultrapassados. Com seus insuportáveis recatos e lições frequentes. Ali, em 50 metros quadrados, vivendo com pouco e sabendo de tudo. É pra acabar com qualquer um! O jeito é sair e, se possível, só voltar para dar um oi muitos anos depois. Devia estar pensando em tudo isso quando vi um recipiente escrito BALSÂMICO. Aquilo não era colocado na mesa para os clientes. O que era? Cheirei. Parecia vinagre. Molhei o dedo. O gosto era forte, encorpado e meio doce. Despejei na salada de repolho. Se parece vinagre... Um novo mundo surgiu. Uma maravilha gastronômica! Tive vergonha de perguntar pra alguém mais coisas sobre o balsâmico. E não havia celular com internet naquele tempo.

– Ô Lucas! O balsâmico não é pros funcionários – disse o gerente.
– Mas não tô comendo – blefei.
 – Tá sim. Tua salada tá escura. Se tu comer isso mais uma vez, vou te dar uma advertência.

Óbvio que comi mais uma vez. E óbvio que tomei a advertência. Eu era petulante e completamente abusado, como todo jovem tem de ser. Mais adiante, me empanturrei com nuggets de um filho de um cliente que não raspou seu prato e também saboreei um sorvete com brownie e amêndoas que uma velha não conseguiu terminar. Tudo devidamente advertido pelo gerente. 

Hoje, já envelhecido, comi uma salada de repolho. Com bastante balsâmico (em casa sempre tem o tal vinagre). Sobrou um tanto de líquido escuro no prato. Então, entornei tudo de uma só vez. Cheguei a me arrepiar com a acidez. Mas era um brinde. Um brinde à juventude. Um brinde à teimosia. E um brinde às coisas boas da vida.